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Nicola Sacco (Torremaggiore, 22 de abril de 1891 — Charlestown, 23 de agosto 1927) e Bartolomeo Vanzetti (Villafalletto, 11 de junho de 1888 — Charlestown, 23 de agosto 1927) foram dois anarquistas italianos que foram presos, processados, julgados e condenados nos Estados Unidos da América nos anos vinte, sob a acusação de homicídio de um contador e de um guarda de uma fábrica de sapatos. Sobre sua culpa houve muitas dúvidas já à época dos acontecimentos.
Foram condenados à pena capital e executados por eletrocução em 23 de agosto de 1927.

Situada vinte quilômetros ao sul de Boston (Massachusetts), Braintree é uma modesta povoação de cerca de quinze mil habitantes, a maior parte dos quais está empregada em pequenas fábricas. Uma das mais importantes é a fábrica de calçados Slater & Morril. É formada por dois blocos de edifícios, situados a algumas centenas de metros um do outro, perto de Pearl Street, que é a rua principal da localidade. Duas vezes por mês, o montante dos vencimentos dos operários que trabalham no edifício inferior é transferido por um portador, do escritório de contabilidade que fica no edifício de cima. Homem de confiança da empresa já há muitos anos, Frederick Parmenter, quadragenário sorridente, é quem transfere habitualmente os fundos. A 15 de abril de 1920 levava 15.776,51 dólares para os pagamentos, acompanhado de seu guarda-costas Alexandre Beradelli, forte, hábil e armado acompanhante. Os dois homens deixam o edifício superior às 15 horas e se dirigem para o outro edifício pelo caminho mais curto que é a Rail-road Avenue e Pearl Street, levando cada um uma caixa com moedas e notas. Ligeiramente atrás, Parmenter protege o seu companheiro na caminhada até que um Buick preto os interrompe, ocasião em que dois homens armados saem do carro, um deles usando um boné e ou outro um chapéu de feltro, o que lhes dissimula as feições, além do que tudo aconteceu tão rápido que seria difícil a possíveis testemunhas afirmarem com certeza reconhecer algum deles. O homem de boné é mais rápido e dispara três tiros contra Barardelli que cai na valeta sem ter tido tempo de puxar a pistola e Parmenter, quando tenta intervir, apanha um tiro em pleno peito.
Os agressores deixam as vítimas caídas no chão, pegam as duas caixas e metem-se no Buick, que se afasta em enorme velocidade. Um terceiro indivíduo que havia ficado no carro, dispara várias vezes por uma janela aberta, a fim de aterrorizar as testemunhas e desencorajar qualquer perseguição por parte delas. Várias pessoas assistem estupefatas a cena.
Em 5 de maio de 1920, Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, imigrantes italianos e militantes políticos foram presos como suspeitos. Os Estados Unidos já haviam esquecido de que eram uma nação formada por outros povos e já se davam ao luxo de reconhecer como americano apenas os descendentes dos fundadores da nação, além do que a primeira guerra mundial fazia com que aquele país começasse sua histeria nacionalista. Tais tendências fundamentais não se revelam em nenhum outro lugar com mais ardor do que no Massachusetts. Estado burguês, puritano, rigoroso e protestante, de cultura inglesa com certas pretensões clássicas, adversário impiedoso desses europeus invasores, favorável à industrialização mas hostil à imigração (estranha situação de antagonismo emanado simultaneamente de ricos e pobres contra os recém-vindos, dos quais Sacco e Vanzetti são o símbolo vivo. Porque a mão-de-obra estrangeira é barata, está exposta à hostilidade do proletariado local, e porque trazem a revolução presa à sola dos sapatos, estes imigrantes da velha Europa vêem-se interditos pelas entidades patronais de entrar nas fábricas). O preconceito, a questão racial, a dificuldade em falar claramente o inglês, prejudicaram demasiadamente Sacco e Vanzetti. No julgamento que se seguiu, são na realidade duas nações inconciliáveis que se debatem; e por essa razão, esse julgamento ficou para a história.
Os dois, Sacco e Vanzetti, juntos em um carro foram presos em uma batida policial que encontrou duas armas (um revólver Harrigton-Richardson de calibre 38, que estava em poder de Vanzetti e uma pistola automática que estava em poder de Sacco), suspeito Vanzetti de ter participado também de uma tentativa de assalto que teria acontecido dia 24 de dezembro de 1919, em Bridgewater, uma tranquila cidadezinha a quarenta quilômetros de Plymouth, com características semelhantes àquele fato que o levaria à morte. Com relação a este primeiro fato, a justiça foi célere, algumas testemunhas reconheceram Vanzetti e o advogado que seus amigos lhe arrumaram patrocinou mediocremente a defesa do mesmo. Resultado, durante o julgamento do primeiro caso, Vanzetti recebe a condenação do segundo no dia 1° de julho:
"O Tribunal, tendo examinado o crime de que Bartolomeo Vanzetti é acusado, ordena que o dito Bartolomeo Vanzetti seja preso por um período compreendido entre doze e quinze anos, com um dia de reclusão e o resto de trabalhos forçados, tudo isso dentro dos limites da nossa prisão de Estado em Bostom, no condado de Suffolk."
Mas o drama de Sacco e Vanzetti não foi tão simples e impossível será expressar toda a angústia daqueles acusados que ficaram presos sete anos, quatro meses e onze dias desde a data da captura; condenados a morte no dia 4 de julho de 1921, só em 23 de agosto de 1927 são executados, tendo assim vivido mais de seis anos na antecâmara da morte, passando, de dia para dia, de semana para semana, de mês para mês, ao longo dos anos, da angústia mais dolorosa à mais louca esperança.
O juiz e o procurador de Sacco e Vanzetti seriam Webster Thayer e Frederick Katzmann respectivamente, nenhum dos dois inclinados a imparcialidade, aliás os mesmos que há pouco haviam condenado Vanzetti pela tentativa de assalto. O procurador é assistido por Harold P. Williams, William F. Kane e E. Adams. O intérprete, Joseph Ross, não teria tarefa fácil: os acusados, que compreendem mal o inglês, falam-no pior ainda. Durante as audiências, o sentido dado por Ross às palavras deles vai ser muitas vezes contestado. Os advogados foram: Fred H. Moore e William J. Callaham em defesa de Sacco, e Jeremiah J. Thomas e Fred MacAnarney, por Vanzetti. O julgamento começa no dia 31 de maio de 1921, às 10 horas. Difícil foi formar o conselho de sentença, pois foram precisos quatro dias e mais de quarenta horas de audiência para a escolha dos doze jurados necessários de uma lista inicial de 500 nomes. As dificuldades de constituição do júri resultam de duas causas: alguns jurados apresentam razões mais ou menos discutíveis para não desempenharem as funções que lhes foram atribuídas; ou porque receiam eventuais represálias por partes dos temíveis amigos dos perigosos anarquistas, ou, muito simplesmente, porque não querem dedicar a este julgamento, semanas e semanas de seu tempo, pois que lhes seria proibido voltar para a casa ou para o local de trabalho, até a data do veredicto.
O assistente do procurador Williams faz a leitura da acusação formal contra os dois narrando o fato como descrito acima e recorda também que foi encontrado um boné preto perto do cadáver de Barardelli; ora, Sacco usava habitualmente um boné idêntico àquele. Foi além disso apresentado como indício contra os acusados o tipo de balas encontradas, quer no corpo das vítimas, quer espalhadas para todos os lados. Algumas das balas foram disparadas por uma pistola automática de calibre 32, idênticas às encontradas na pistola de Sacco na noite em que foi preso, e às vinte e três balas suplementares que ele levava na algibeiras.
Depois da leitura do ato de acusação, o presidente Thayer manda iniciar o julgamento, com depoimento da primeira das cento e cinquenta e oito testemunhas, sendo cinquenta e nove designadas pela acusação e noventa e nove pela defesa, no dia 7 de junho. Testemunhas que são espectadores do delito, policiais, peritos e familiares das vítimas, uns e outros vão encher o processo de elementos por vezes contraditórios. Testemunhas que disseram achar serem os acusados os agressores e outras a afirmar que os mesmos estavam em outro local no momento do crime, algumas mudando depoimento anterior. Peritos afirmando que as balas encontradas teriam saído do revólver dos acusados e outros afirmando justamente o oposto. Discutiu-se também o chapéu encontrado no local e até o fato de que os acusados tinham ido para o México para não servir ao exército americano, fato que colocaria em dúvida o amor que afirmavam ter pelos Estados Unidos, pois por mais que tenham tentado manter as aparências, o julgamento foi mesmo político como, afinal, são todos os julgamentos.
A 11 de julho terminam de ouvir as testemunhas e primeiramente teria a palavra a defesa. No dia da audiência, o presidente explica como vai decorrer a fase do julgamento imediatamente anterior ao veredicto:
"-Meus senhores, acaba de fechar-se o livro do destino. Na quinta-feira de manhã tereis tomado a vossa decisão... Os discursos dos advogados iniciar-se-ão amanhã, às nove horas, tendo-se estabelecido quatro horas para cada parte - isto é: quatro horas para os acusados, e quatro horas para o Ministério Público, podendo-se ultrapassar um pouco o tempo concedido./ Recomendo-lhes mais uma vez que estejam atentos. Apenas ouviram ainda a exposição do caso, e não foram ouvidos os argumentos dos advogados, nem a acusação, nem o Tribunal. Têm de saber primeiro quais são as leis aplicáveis aos fatos estabelecidos e que os senhores consideram verdadeiros. É pois, com este pedido feito pelo Tribunal, que me dirijo a vós, a fim de que, cuidadosamente, façam justiça".
A defesa enfatiza as contradições das testemunhas e o caráter de muitas delas também, mas sobre as provas materiais Moore, que foi o primeiro a se manifestar, fala pouco: "Se estamos numa época em que cabe ao microscópio decidir se um homem deve ou não ser condenado à morte; se os especialistas do microscópio não estão de acordo uns com os outros; se os peritos da acusação e os peritos da defesa se contradizem totalmente - então, afirmo que os homens vulgares, como os senhores e como eu, devem pensar duas vezes antes de suprimir a vida humana. Sois os responsáveis. Compete-vos julgar os fatos".
Moore ultrapassou vinte minutos do seu tempo e McAnarney, defendendo Vanzetti, inicia também criticando os depoimentos: "Os homens, se nos referirmos às descrições que fizeram, são grandes, têm a tez clara, são morenos, pequenos, gordos, com bigode e sem bigode!... Há em Braintree os homens que quiserem deste tipo [...] Peço a cada um dos senhores, que tem de se pronunciar, para tratar os dois acusados como se fossem seus próprios irmãos. Irmãos vindos ao mundo mercê de um poder semelhante ao que vos criou, a fim de que possam deixar este mundo em função do poder que vos fará deixá-los também."; Macarney respeitou suas duas horas.
Katamann fala na tarde do mesmo dia por quatro horas, podendo esmiuçar mais o caso e demonstrando uma maior competência que já vinha transparecendo em todo o decorrer do julgamento, nas oitivas das testemunhas: "...Levaram um verdadeiro arsenal - diz ele, exagerando um pouco...-Vanzetti tinha consigo uma pistola de calibre 38, carregada. Esse homem que fugiu para o México para não matar na guerra nenhum ser humano, tinha um revólver carregado cujas balas podiam provocar a morte instantânea; esse home de coração terno que amava seu país, e que fugiu porque não acreditava no uso das armas, tinha um revólver carregado!... E o seu associado, Nicolas Sacco, outro amante da paz, outro amante da sua pátria por adoção, que odiava o derramamento de sangue a ponto de fugir para o México com o nome de Mosmacoletti, esse amante da paz tinha com ele trinta e duas balas que provocariam automaticamente a morte, nove na arma, prontas para atuar, e vinte e três de reserva, na algibeira. E levava-as onde normalmente um cidadão vulgar as usa? Não, meus senhores, levava-as onde costumam usar aqueles que precisam de se servir rapidamente desses instrumentos de morte [...] Disseram-lhes que a vossa escolha ia decidir sobre a vida de dois homens. Não se deixem influenciar por esta interpretação do vosso dever. Os senhores não decidem nada sobre a vida deles ao reconhecê-los culpados. É a lei que lhes tira a vida e não os senhores. Apenas, têm que declarar se os consideram ou não culpados... Os senhores não pronunciam uma sentença de morte. São aqui, no Tribunal, o nosso Conselho Supremo, e ambas as partes se lhes dirigem para que descubram onde está a verdade entre estas duas perguntas: Culpado ou inocente? Façam o vosso dever, senhores jurados. Façam-nos todos os homens de Norfolk!!"
O último ato do julgamento decorre no dia 14 de julho, quinta-feira, trigésimo sétimo dia de audiência. O ambiente é agitado, a multidão invadiu o Tribunal desde a abertura da sala de audiências logo de manhã. Entre o requisitório e a proclamação do veredicto há ainda uma última intervenção do presidente, que faz por sua vez uma evocação da lei e um resumo da causa: "...Qualquer testemunho tendente a provar que os acusados se encontram noutro sítio quando os crimes foram cometidos, tende igualmente rejeitar um testemunho dizendo que eles estavam no local e no momento do crime. Se um álibi contradiz o depoimento do Ministério Público deixando dúvida ao vosso espírito quanto à acusação de assassinato que pesa sobre os acusados, os senhores deverão então apresentar um veredicto de inocente. Mas, se por outro lado, acharem que os acusados ou um deles cometeu esses crimes e se o Ministério Público lhes deu satisfação do fato sem lhes deixar dúvidas, devem então apresentar um veredicto de culpado..."
Thayer termina o seu discurso ao meio-dia. Recomenda aos jurados uma longa e sã reflexão antes do pronunciamento do veredicto, e marca-lhes encontro para as 14:30 hs. Às 15 horas, os doze jurados encontram-se pela última vez na sala do Conselho para decidir a sorte dos acusados. A última análise do processo, interrompida alguns instantes para um jantar frugal, termina antes das 20 horas. As partes estão todas em seus lugares, em silêncio espera-se com ansiedade a chegada dos jurados. Ripley, o presidente do júri, é o primeiro a transpor a porta da sala. Todos perscrutam os seus rostos para ver se lêem neles o veredicto. É preciso ser paciente, pois tem que se respeitar as formalidades. Por ordem do presidente, o oficial de diligências Worthington pergunta:
"-Senhores jurados, estão de acordo sobre o veredicto?
Depois de ser pronunciada a resposta afirmativa, Worthington chama Sacco que se levanta, tenso, respondendo presente.
-Levanta a mão direita-continua o oficial de diligências-Senhor presidente, olhe para o prisioneiro. Prisioneiro olhe para o presidente. Qual é a resposta, senhor presidente? O prisioneiro é culpado ou inocente?
Com a voz pouco segura, Ripley responde:
-Culpado.
-Culpado de assassinato?
-De assassinato.
-No primeiro grau?
-No primeiro grau".
Pelo mesmo ritual passa Vanzetti e com as mesmas repostas do júri é ele também considerado culpado por assassinato em primeiro grau. Segue o oficial de diligências:
"-Tendo sido ouvido o vosso veredicto e registrado pelo Tribunal, os senhores declaram sob juramento que Nicolas Sacco e Bartolomeo Vanzetti são ambos culpados de assassinato em primeiro grau. É o que os senhor presidente diz? É o que dizem todos os senhores?"
No meio do murmúrio da multidão mal se ouve, por três vezes, as palavras "Nós dizemos" dos jurados. Ouvem-se soluços, vozes, e um grito desesperado de Rosina, mulher de Sacco, que se lança nos braços do marido, apesar dos guardas. De repente, separado da mulher, ouve-se a voz rouca e vingativa de Sacco: "Matam um inocente! Matam dois inocentes!".
A decisão do Tribunal foi lavrada nos seguintes e fúnebres termos: "... É considerado e ordenado pelo Tribunal que você, Nicola Sacco, sofrerá o castigo da morte pela passagem de uma corrente de eletricidade por seu corpo dentro de uma semana que começa no domingo, o décimo dia de julho, do ano de nosso Senhor de mil novecentos e vinte e sete. Esta é a sentença da lei. [...] É considerado e ordenado pelo Tribunal que você, Bartolomeo Vanzetti. . . pela passagem de uma corrente de eletricidade por seu corpo dentro da semana que começa no domingo, o décimo dia de julho, no ano de nosso senhor, de mil novecentos e vinte e sete. Esta é a sentença da lei".
De moções para apelos, de rejeições para sentenças, os advogados e juízes utilizam, cada um por sua vez, um excepcional arsenal de meios ao seu dispor pelas leis do Estado de Massachusetts e da Federação que a execução vai sendo adiada dia após dia. Enquanto os condenados são mantidos por muito tempo em suas celas, passando por greves de fome e internações em hospícios, a opinião pública toma partido. A notícia faz sensação no mundo todo, os sindicatos de trabalhadores se movimentam e é sobretudo no estrangeiro que o veredicto provoca mais agitação. Apesar de integrantes do movimento anarquista, toda a classe operária tem os italianos condenados como exemplo, e os dois homens, vítimas do capitalismo e de uma organização social que eles combatem, tornam-se, para a causa, o símbolo da luta de classes para socialistas e comunistas do mundo todo. Tumultos, comícios, greves, tentativas mais ou menos violentas junto às embaixadas e consulados americanos na maior parte das grandes cidades européias: Paris, Roma, Madrid, Bruxelas, Genebra, Zurique, Copenhaguem etc.
Até mesmo o papa Pio IX envia mensagem para Washington: "Qualquer que seja a situação jurídica dos dois condenados, os sete anos de sofrimento que eles passaram eram suficientes para lhes conceder o perdão".
Na verdade, os sentenciados estavam nas mãos do governador de Massachussetts, Alvin Fuller que, ao pedido de clemência, após compor uma comissão para estudar o caso, decidiu: "...como resultado de minha investigação eu não encontro nenhuma justificativa para intervenção./Eu acredito, conforme o júri, que esses homens, Sacco e Vanzetti, foram culpados e que eles tiveram um julgamento justo. Além disso, eu acredito que não há nenhuma razão justificável para lhes proporcionar um novo julgamento (3 de agosto de 1927)".
Os condenados deviam ser executados no dia 10 de agosto à meia-noite e nessa mesma noite, às 22:24 hs, e contra tudo o que era de se esperar, Fuller decide conceder-lhes uma prorrogação de doze dias... Esse vislumbre de esperança é para os condenados uma nova provação. Estão completamente exaustos, Sacco sobretudo, que faz greve de fome há vinte e seis dias. Este adiamento é interpretado pelos adeptos como um retrocesso e as manifestações e a agitação revolucionária se repetem. Mas uma vez se empreende uma nova tentativa contra a morte, mas os advogados vão perder, pois o Supremo Tribunal de Massachusetts rejeita o apelo. Não se dando por vencidos, tentam obter um "habeas corpus" solicitando a intervenção do presidente Coolidge. Apesar de tudo, 22 de agosto vai ser o último dia para Sacco e para Vanzetti.
Tentativas de obter "habeas corpus" inclusive perante o Supremo Tribunal Federal americano foram utilizadas até os últimos minutos. As horas passavam e a prisão de Charlestown estava em estado de sítio, assim como a tensão na cidade também aumentava. A multidão desfila diante do palácio do governador. Pela segunda vez em doze dias, Sacco e Vanzetti são avisados pelo diretor da prisão, Hendry, de que vão morrer. Rejeitam a oferta do capelão, o padre Murphy, que lhes quer dar os últimos sacramentos. O executor, Robert Elliot, procede os preparativos habituais na sala do suplício, contígua às câmaras da morte. Dois cirurgiões, três médicos, o xerife e um jornalista escolhido a sorte entre os colegas, vão assistir a execução.
É meia noite de três minutos. O primeiro condenado a ser executado é Celestino F. Medeiros, um português que estava no corredor da morte por ter assassinado um caixa de banco por ocasião de um assalto em novembro de 1924 e que, em 18 de novembro de 1925, havia enviado um bilhete à Sacco confessando ser o autor do crime deste e de Vanzetti. Mas a tentativa de ajudar os colegas de cárcere do português não surtiu o efeito desejado, uma vez que o seu depoimento posterior não se coadunou com alguns detalhes colhidos no processo. Medeiros deixa a cela escura e aproxima-se da sala iluminada por uma luz crua. Vê por escassos instantes a cadeira onde o instalam, ajustando-lhe os eletrodos. O executor faz o seu trabalho carregando o botão do comutador. O corpo dá uma estremeção. O médico controla a morte e corpo é levado numa padiola.
Meia-noite e onze minutos. Sacco aparece, muito pálido, muito direito, caminhando como um autômato. Enquanto o executor o prepara ele lança à sua volta o olhar chamejante e grita em italiano: "Viva a anarquia" e em inglês: "Adeus, minha mulher querida... Boa noite, meus senhores" e depois, antes do instante supremo, murmura docemente: "Mamã".
Meia-noite e vinte e dois minutos. É a vez de Vanzetti. Apenas alguns minutos ele tem para clamar sua inocência: "-Quero dizer-lhes que estou inocente. Nunca cometi nenhum crime. Agradeço-lhes tudo o que fizeram por mim. Estou inocente de qualquer crime, não somente deste mas todos, de todos. Estou inocente". A corrente elétrica atravessa-o e mata-o.
Algumas horas depois, toda a Europa grita a sua cólera. Em nome dos italianos "assassinados" em Boston, luta-se e morre-se em Paris, Leipzig, Londres, México... Até hoje se discute se seriam inocentes os sentenciados, caso que foi objeto de livros, poemas, músicas e filmes. Alguns testes de balísticas de 1969, mais modernos, chegaram a concluir com grande probabilidade que Sacco foi realmente responsável pelo assassinato, pois sua arma teria sido uma das usadas no crime, mas os mesmos testes concluíram pela inocência de Vanzetti. O certo é que ambos foram e permanecem mártires da classe trabalhadora.
Fontes: -Os Grandes Julgamentos da História - Os julgamentos americanos. Éditions Ferni Genève. Escrito sob a direção de Caude Bertin.